latinitates

ESTUDOS CLÁSSICOS E HUMANÍSTICOS

Nosso Acervo

<> Os Timbiras. Os paradoxos antiépicos da Ilíada Brasileira
Categoria:
Dissertações e Teses
{{variant.name}}:
{{opt.name}}
{{opt.value ? '' : opt.name}}
{{opt.value ? '' : opt.name}}
Descrição

São muitos os motivos que nos estimularam a desenvolver um trabalho em que as duas epopeias escolhidas pertencem, uma a um poeta latino do século I a.C, a outra a um poeta do Novo Mundo, do século XIX. Em primeiro lugar, notámos a excecional influência de Virgílio na estrutura épica d’Os Timbiras, apesar de Gonçalves Dias tê-la designado, no princípio, de Ilíada Brasileira; daí o porquê de o título dessa pesquisa evocar o poema de Homero. Ambos os poemas surgiram da mesma maneira e com a mesma intenção: encomendados pelos monarcas, deveriam tornar-se o poema épico nacional, um panegírico da nacionalidade de um povo que carecia afirmar-se enquanto tal, com vista a legar um monumento com uma mensagem de paz e amor aos seus descendentes.
Em Meditação, Gonçalves Dias havia refletido sobre a falta de monumentos excecionais no Império do Brasil, e por isso exaltara mais as pinturas do Japurá, sentindo que elas transmitiam mais contentamento do que as cidades do Império – semelhantes às árvores raquíticas plantadas no sertão. Decidido a mudar essa realidade, ciente de que os Portugueses eram mais famosos pelo poema do seu vate maior do que pelas armas, encorajado pelo Imperador e por seus admiradores, com a promessa de uma gratificação vantajosa e a glória de ser chamado de “poeta nacional”, Gonçalves Dias anunciou Os Timbiras, a que ele mesmo também chamou de Génesis Americano.
Contudo, Os Timbiras se tornaram um poema de sofrimento, do amor que não sobrevive sem a guerra, do homem americano para sempre perdido, uma reflexão daquilo que o Brasil realmente é: um filho de Portugal. Do outro lado, a Eneida celebrava a paz por meio da guerra, porque só ela é capaz de assegurar o controlo sobre a turba insatisfeita; é o poema de Tróia ressuscitada no Lácio, embora o herói fundador não tenha chegado a ver cumprir a profecia dos deuses, e por isso tenha preferido perecer junto com os outros Troianos, nas muralhas da cidade.
As semelhanças entre os poemas são muitas: Eneias é um homem sem pátria à procura de asilo no Lácio; Itajuba e os Timbiras irão numa busca debalde por asilo na terra dos seus ancestrais, no vale imponente e hostil do Amazonas (esse rio, o exemplo excelso da nacionalidade brasileira, mestiço no nome, conservou no seu curso o indígena “Solimões”, substituindo “Pará” pelo termo europeu, surgido de uma lenda sobretudo europeia). A América infeliz e arruinada é a imagem de Tróia arrasada; Roma surge das cinzas de Tróia e o Brasil das cinzas do homem Americano. A forma como Eneias conduz a batalha contra Turno, bem como o seu desfecho, revelaram o espírito do homem Romano, daí o porquê de tanto pessimismo. Do outro lado, Gonçalves Dias queixar-se-ia que a América era um arremedo das terras longínquas: uma mistura de África e Europa amalgamada com as cinzas da América distante no espaço.
Eis a fraqueza do poeta: não consegue assistir ao (triste) arremedo e cantá-lo sem despojar a sua mágoa com os infortúnios da raça brasileira, do homem africano e do homem americano diante da cobiça e soberba do europeu. Assim, em Meditação o poeta cai exânime; em Os Timbiras, Jurucei é quem cai, sob a mira de uma flecha traiçoeira. Por fim, o seu Génesis assumiu feições apocalíticas, e a Ilíada vestiu as roupagens de uma Eneida tropical. O Brasil, enquanto arremedo, não teve a sorte de Portugal. Dom Pedro II não teve a sorte de Augusto. Gonçalves Dias não teve a sorte de Camões, porque não conseguiu salvar o seu poema das águas bravias do Atlântico, junto à baía de Cumã.
A Eneida ficou inacabada, Os Timbiras também. Inacabado para sempre porque o poeta não encontrou fôlego para concluir a sua epopeia, além de que a era dos poemas longos tinha já cumprido o seu ciclo. Restou-nos um poema taciturno bastante semelhante à Eneida, porque ambos revelam a realidade nua e cruel da humanidade: o rosto da morte que não vive sem a vida, o rosto da glória que surge da ruína. Ambos os poetas, Gonçalves Dias e Virgílio, morreram tristes, magoados, feridos com todas as mágoas de uma nação inteira, sem que as suas mensagens tenham sido compreendidas pelas gentes de seu tempo, além da angustiante incerteza de que as do futuro, essas sim, viriam a entendê-los.

 

Autor: Weberson Fernandes Grizoste

Lívia Maria da Silva

© Reservado a reprodução para fins não comerciais

Tem interesse em comprar uma das publicações? talvez seja possível,

entre em contato conosco.